Marina Grandolpho nasceu em 1987 na cidade de Catanduva, SP, e atualmente vive em Campinas, SP. Formada em Letras pela UFSCar e doutora em Estudos Literários pela Unesp, é professora e escritora. Também é mãe e feminista, e foram esses dois últimos papéis que a provocaram em definitivo no sentido de compartilhar a sua escrita. Possui textos publicados na Revista Ruído Manifesto e na zine autoral Por debaixo da carne sou palavra; além disso, criou uma newsletter, na qual publica quinzenalmente. maquinário feminino e outras conversas (Editora Patuá, 2023) é seu livro de estreia.
RAPAZ SEM GRAÇA
não vejo graça no teu riso
ora frouxo, ora forçado
tampouco vejo graça
na tua conversa fiada
presunçosa e ofensiva
não vejo
ㅤㅤㅤ ㅤa me-nor
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤgra-ça
o teu modo condescendente
de dizer que sente muito
vai de encontro ao meu modo
de sentir o mundo
e esbarra na minha solidez
escolha de quem já não vê graça
no sujeito que insiste em dizer,
brincando,
que até gosta do meu jeito
não só dispenso a tua preferência
como dou soco no vazio
onde caminha a tua confusão
meu coração não é lugar
para stand-up medíocre
muito menos pista de dança
para quem não sabe sambar
prefiro bailar solitária
com meus sonhos tropeçando
no saguão dos desejos
que se transformam
todas as vezes que me toco
DESPETALADA
ontem me contaram a história
de uma mulher despedaçada
por um homem
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤque a partiu
por um filho
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤque pariu
por um deus
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤque se omitiu
ninguém sequer ouviu
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤas suas preces
recolheu os seus cacos
resolveu o seu caso
revolveu o seu caos
resignada,
desfez-se no chão
ㅤpétala
ㅤㅤㅤ ㅤㅤpor
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤpétala
e enfeitou
o choro
incontido
que agora
rolava
ㅤㅤㅤㅤpela
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤface
VASO QUEBRADO
o dia que você esbarrou
no vaso da minha sala de estar
nem sequer olhou a porcelana
estilhaçada no chão
a peça colidiu com o
assoalho e se espatifou
você ficou ali parado,
olhando como se a cena
não lhe coubesse
resignada, juntei
caco
por
caco
e me mantive calada,
apenas fitando
os seus olhos
não soube o que dizer
daquela vez
mas agora sei:
gosto de quem limpa os cacos
daquilo que quebra,
cortando os dedos
nos pedaços pontiagudos
— se for o caso.
Você acabou de ler uma seleção de poemas de maquinário feminino e outras conversas (Editora Patuá, 2023), livro de estreia de Marina Grandolpho. Gostou dos poemas? Adquira-o clicando aqui.
Mais sobre a obra
O livro que você tem em mãos foi construído no silêncio que habita as entranhas de uma mulher. Uma mulher que se recusa a ser mais uma peça de uma engrenagem, mas que não consegue se livrar dela. Roda, gira, cuida. Sangra, dói, lateja. A escrita de Marina denota urgência. Não a urgência de quem esteve no fundo do poço, mas sim a urgência de quem ainda está ali. De quem de vez em quando emerge para anunciar: estou aqui. Para respirar, para exigir, para denunciar. Escrevo para emergir, ela diz. É no silêncio do poço que Marina enxerga o seu céu desbotado e faz dele terra fértil de onde nasce o poema. É ali, sem que ninguém lhe jogue uma corda, que o eu lírico toma pra si o protagonismo e quer contar o que não lhe deixaram dizer.
Carla Guerson
Arte: The broken Jug, de Luigi Serra.
Comment (1)
Que potência! Adorei os poemas, ansiosa para ler o livro <3